quinta-feira, 8 de abril de 2010

PARA LER: "POR QUÊ?"

Tzvetan Todorov.
Cortez compreende relativamente bem o mundo asteca que se descobre diante de seus olhos. Contudo, essa compreensão superior não impede os conquistadores de destruir a civilização e a sociedade asteca.

Existe aí um encadeamento terrível, onde compreender leva a tomar; e tomar a destruir, encadeamento cujo caráter inevitável gostaríamos de pôr em dúvida. A compreensão não deveria vir junto com simpatia? O desejo de tomar, de enriquecer à custa do outro, não deveria predispor à conservação desse outro, fonte potencial de riqueza?

O paradoxo da compreensão que mata desapareceria se fosse possível observar naqueles que compreendem um julgamento de valor negativo sobre o outro [julgamento segundo o qual o outro é considerado mau e deve ser destruído]. Ora, lendo os escritos dos conquistadores, vemos que não é nada disso, e que, em alguns aspectos pelo menos, os astecas, provocaram a admiração dos espanhóis.

Quando Cortez deve emitir um julgamento sobre os índios do México, será sempre para aproximá-los dos espanhóis: “Nos comportamentos e nas relações sociais, essa gente tem quase os mesmos modos de viver que na Espanha, e há tanta ordem e harmonia quanto aí [...]”.

As cidades astecas, diz Cortez, são tão civilizadas quanto as espanholas: “O mercado de Tenochtitlán é uma grande praça, toda cercada de pórticos e maior que a de Salamarca”. Diego Godoy, outro cronista, completa: “Ainda que os espanhóis o tivessem feito, não teria sido melhor executado”. Acrescenta Cortez: “Não há nenhum príncipe conhecido no mundo que possua coisas de tal qualidade. Essa cidade [Tenochtitlán] era a coisa mais bela do mundo”.
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Tanto encanto, seguido, todavia de uma destruição tão completa! Longe de esclarecer-se, portanto, o mistério só aumenta: não somente os espanhóis compreendiam bastante bem os astecas, mas também sentiam admiração por eles; e, no entanto, os aniquilaram; por quê?
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Adaptado de Todorov, Tzetan. A conquista da América: a questão do outro.
São Paulo: Martins Fontes, 1999. P.151-4

PORTAL COMUNISTA "América Latina VIVA" - publicação de WILLIAN DE SOUZA famousstudio_willian@yahoo.com.br

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